“Pai do Marketing” apresenta novo conceito de marketing que vai além dos 4 Ps
Aos 93 anos, Philip Kotler, considerado o ‘pai do marketing moderno’, segue influenciando a academia e as práticas empresariais. “Coisas novas estão sempre acontecendo para mudar o marketing e, esperançosamente, melhorá-lo. A cada dia, surgem novas histórias. A cada mês, alguém está experimentando uma inovadora e arriscada estratégia. A cada ano, um livro precisa ser revisado e atualizado”, diz Kotler, em entrevista exclusiva à EXAME.
O economista e professor americano da escola de negócios Kellogg, da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, fundou o conceito de marketing moderno ainda na década de 1960, quando lançou seu primeiro livro, ‘Administração de Marketing’. Mais de 60 anos depois, Kotler apresenta ao Brasil, no próximo mês de julho, a versão traduzida para o português de sua obra ‘Marketing H2H: A Jornada para o Marketing Human to Human‘, a qual propõe pela primeira vez uma evolução dos 4 Ps (produto, preço, praça e promoção) para as empresas da era pós-industrial.
Diretamente de sua residência em Chicago, nos Estados Unidos, o professor conversou com a reportagem via chamada de vídeo sobre a nova abordagem de H2H, que propõe um movimento de humanização das práticas de marketing e lança luz às conexões genuínas, à promoção da ética e ao senso de comunidade, elementos cada vez mais essenciais para a sustentabilidade das empresas e do planeta. Acompanhe a entrevista.
O senhor escreveu o primeiro livro ‘Administração de Marketing’ em 1967. Como enxerga a evolução do marketing ao longo do tempo? O que mudou e o que permaneceu igual?
Marketing não era o nome original para a atividade com a qual estamos tão preocupados. Inicialmente, falava-se em vendas ou publicidade, com uma abordagem simples: uma empresa criava um produto ou serviço e contratava equipe de vendas e uma agência de publicidade. Com sorte, esperava-se muita disseminação de informações e compras.
O termo ‘marketing’ apareceu pela primeira vez no início dos anos 1900, na forma de livros didáticos, oferecendo uma maneira de combinar duas ideias: criar algo que torne os consumidores mais felizes, atendendo às suas necessidades, e estabelecer um sistema de distribuição que organize todas as atividades para que o fornecedor cumpra sua promessa.
A propósito, a marca atualmente é vista como uma promessa; ela funciona fortemente e bem se cumpre o que promete, ou falha se não o faz.
Os primeiros livros didáticos de marketing foram escritos principalmente por economistas, muitos deles críticos à teoria econômica tradicional, especialmente aquela que ignorava o comportamento real dos consumidores e vendedores. Não se pode presumir que as pessoas entrem em um supermercado com um lápis, listando os prós e contras de cada decisão, com informações completas sobre todas as opções de compra. Isso é irracional. Lembro-me de muitos livros de marketing dos anos 1960 e 1970 que se baseavam em opiniões. Por exemplo, afirmavam que um vendedor deve fazer cinco coisas ou que um bom anúncio deve ter determinadas características. De onde isso veio? Talvez fosse senso comum, mas não era baseado em pesquisa.
A razão pela qual escrevi meu primeiro livro, ‘Administração de Marketing’, em 1967, foi porque queria baseá-lo no comportamento real do consumidor, dentro dos contextos educacional e econômico. Além disso, queria incorporar um pensamento matemático à ideia de marketing: quais são os fatores que influenciam a quantidade de um bem que será comprada? O livro teve grande sucesso e agora está na 16ª edição, com a 17ª a caminho. Seu apelo reside nas contínuas mudanças e melhorias no marketing, que exigem atualizações frequentes devido a novas histórias e comportamentos emergentes. Atualmente, três grandes influências se destacam: a transição de uma sociedade analógica para digital, a incorporação da inteligência artificial (IA) e o conceito de disrupção. Com o mundo repleto de mudanças, exigem-se novas abordagens sobre a prática do marketing.
E como emergiu o conceito de marketing H2H?
É fundamental reconhecer que os mercados são formados por pessoas interagindo com pessoas. Se você tem empatia pelos outros, especialmente por uma categoria chamada clientes, não deve apenas criar algo para eles e vender esse algo, mas também tentar compreendê-los profundamente e ser mais preciso em atender às suas necessidades.
Há um debate frequente: o marketing é sobre fazer coisas que as pessoas precisam ou sobre fazer as pessoas comprarem coisas que decidimos criar? O melhor marketing é aquele que atende às necessidades dos clientes.
No entanto, o marketing também tem a capacidade de desempenhar ambas as funções, pois muitos de nós compramos coisas que não sabíamos que precisávamos, porque fomos convencidos de que deveríamos tê-las.
O H2H foi concebido para representar a ideia de pessoas lidando com pessoas. Parte disso, se baseia em minha formação humanista. Um humanista é alguém que acredita que as pessoas são educadas, se unem e formam uma sociedade, que pode abranger diversas crenças – religiosas, sociais, econômicas e políticas – sem recorrer a explicações sobrenaturais para o comportamento humano. Nosso objetivo é estabelecer relacionamentos que gerem valor mútuo. Acreditamos que uma ação de marketing deve beneficiar tanto o cliente quanto a empresa, gerando lucro de forma transparente. Assim, o H2H talvez tenha suas raízes em uma abordagem humanística do mercado: pessoas conectando-se com pessoas.
As empresas estão preparadas para este novo modelo? O que precisa mudar?
Muitas já praticam isso de forma inconsciente, se não conscientemente, demonstrando empatia. De fato, quando alguém dentro de uma empresa reconhece a importância de atender e satisfazer as necessidades, isso por si só é uma declaração humanista. Queremos evitar que as organizações adotem uma visão mecânica do problema de vendas, focada exclusivamente na obtenção de lucro dos clientes. Esse tipo de comportamento é encontrado em algumas empresas, especialmente aquelas em posição monopolista.
Estamos tentando incorporar a empatia nas empresas, não apenas nas interações com os consumidores, como também no tratamento dos funcionários dentro das empresas. Quando um colaborador está infeliz, isso afeta diretamente a experiência do cliente e o sucesso da empresa. Além de enfatizar a centralidade do cliente no contexto do H2H, buscamos posicionar os funcionários no cerne das estratégias e, ao mesmo tempo, garantir um serviço de qualidade aos parceiros, como fornecedores, distribuidores e atacadistas. Cultivar empatia nessas relações é essencial. Isso inclui até mesmo os investidores, que tornam a empresa viável. É preciso equilibrar a performance satisfatoriamente aos olhos de um conjunto de pessoas.
O H2H preenche três lacunas significativas nos tradicionais livros didáticos. Em primeiro lugar, abordamos o design, fundamental para o marketing, pois envolve a concepção de sistemas de distribuição, produtos e serviços. Além disso, destacamos a importância dos serviços associados aos produtos, indo além da simples entrega. E se o cliente tiver dúvidas?
Por exemplo, consideramos o dilema de um cartucho de impressora esgotado: devemos simplesmente descartá-lo ou encontrar maneiras de lidar com o acúmulo de cartuchos antigos não utilizados no mundo?
Estamos preocupados com uma gama de serviços que acompanham a venda dos produtos. Adicionalmente, exploramos a era digital e seu impacto transformador nas empresas, detalhando como essa abordagem pode ajudar na compreensão e na satisfação dos clientes, com potencial para explorar ainda mais a inteligência artificial em futuras edições do H2H.
Quais são as mudanças mais significativas no mix de marketing que as empresas devem entender para se manterem competitivas no mercado atual?
Os 4 Ps (produto, preço, praça e promoção) são fundamentais no pensamento e planejamento de qualquer empresa. Se algum deles for mal executado, a companhia pode fracassar.
No entanto, quatro pilares não são mais suficientes. Hoje, falamos em 7 Ps, embora os novos elementos não comecem com a letra P. Além dos originais, adicionamos: serviço, marca e incentivo. Trata-se de uma evolução do conceito.
Limitar os quatro P’s apenas ao produto, e ignorar o serviço, pode ser desastroso. Da mesma forma, a marca também é importante. Ou seja, a empresa possui uma marca ativa na mente dos clientes ou não existe conceito, apenas se vê mercadoria? Gosto da relação produto-serviço-marca. Agora, vamos ao preço. Não se trata apenas de definir um valor fixo; é preciso oferecer incentivos ao consumidor. Todos os elementos criam valor, juntamente aos sistemas de distribuição e comunicação, anteriormente conhecidos como praça e promoção. Atualmente, reconhecemos sete ferramentas do mix de marketing, que devem ser planejadas considerando o consumidor.
Como os CEOs estão entendendo a importância do marketing hoje?
Essa é uma boa pergunta, pois muitas empresas hoje são lideradas por CEOs sem formação em marketing, como empreendedores, advogados ou profissionais de finanças. Conheço vários CEOs que afirmam entender de marketing. Recentemente, um deles disse: ‘Marketing é apenas precificação. Se eu conseguir aumentar o preço em cinco centavos, farei uma fortuna’. Mas essa visão é limitada.
Os CEOs (diretores executivos) precisam nomear um CFO (diretor financeiro), um CMO (diretor de marketing) e, cada vez mais, um cientista de dados. Ao buscar um CMO, a melhor abordagem é observar profissionais com histórico comprovado de sucesso em outras empresas. Se o CEO não puder ou não quiser fazer isso, provavelmente irá entrevistar potenciais candidatos. Ocorre que nem sempre são feitas as perguntas corretas. Por vezes, questionam: ‘Você consegue demonstrar o ROI (retorno sobre o investimento) do marketing? Você vê o marketing principalmente como uma questão de publicidade forte ou de uma equipe de vendas forte?’ E o que acontece, na prática, é que muitos CFOs criticam o marketing. Dizem que a empresa está gastando muito dinheiro em publicidade e comentam: ‘O que estamos recebendo em retorno? Por que não investir esse dinheiro em vendedores, assim saberemos se ele teve sucesso ou não, pois está diretamente em contato com o cliente.’
É verdade que o sonho de um CEO é encontrar um profissional de marketing que demonstre um bom ROI do marketing. Mas isso requer paciência. É um desafio difícil. Me vejo conversando agora com os CEOs e dizendo: por favor, deixem claro para o CMO, ou durante a busca por um profissional, o que vocês entendem por marketing.
Considerem o que nós pensamos em termos dos sete elementos do mix de marketing. Reconheçam meu conhecimento desses elementos e como posso combiná-los em um plano organizado para medir os resultados. É crucial que o processo de contratação seja explícito. O CEO deve expor o que espera do CMO. Caso contrário, podem surgir críticas sobre o seu desempenho, vindas de pessoas da área financeira, de dados ou de outros setores.
No final das contas, os CMOs contratados geralmente duram cerca de dois anos no cargo. Isso pode significar que alguns saíram tão bem-sucedidos que foram contratados por concorrentes, ou que houve alguma decepção ou mudança dentro da empresa. Afinal, os CEOs também mudam e podem querer algo diferente do marketing. É importante lembrar que o papel do CMO envolve liderar o crescimento da participação de mercado, identificando frequentemente novas oportunidades de produtos e expansões internacionais.
Hoje em dia, quase tudo tem girado em torno de growth, IA e novas tecnologias. Qual é o impacto disso no marketing?
Pode haver alguns aspectos negativos na ascensão da inteligência artificial (IA), e isso nos leva a uma questão importante em torno da expressão ‘high-tech and high-touch’ (alta tecnologia e alto contato, na tradução).
A empresa que se relaciona com o cliente apenas por meio da tecnologia está fadada ao fracasso, em minha opinião.
A IA e, eventualmente, os robôs devem ser parceiros para potencializar a habilidade humana de planejar o crescimento da empresa. Me preocupo com uma abordagem de IA hiper-técnica. No entanto, acredito que a tecnologia pode trazer muitos benefícios se usada corretamente. Por exemplo, ajudar a escrever textos de forma mais rápida e a desenvolver novas imagens e campanhas. Hoje, a IA não se limita a responder perguntas em formato de texto; pode também gerar imagens e vídeos. Portanto, a IA tem seus aspectos positivos, mas deve ser cuidadosamente combinada com o contato humano.
Fonte: EXAME.
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