O poder e a longevidade de um slogan
Quem tenha visto o nome da atriz Andie MacDowell na programação do Cannes Lions, poderia esperar que ela fosse o centro das atenções de qualquer painel onde estivesse presente. Mas não foi exatamente esse o caso. Acompanhada de Charlotte Franceries (líder para L’O’réal na McCann Paris), Ben Proudfoot (cineasta canadense da Breakwater Studios e vencedor do Oscar de curta-metragem, em 2021, com A Rainha do Basquete) e Delphine Viguier-Hovasse (presidente global da marca L’Oréal Paris) ela esteve no evento para homenagear outra mulher.
A mulher em questão era a roteirista da McCann-Erickson (hoje, McCann) Ilon Spect, que faleceu no último dia 10 de maio, aos 81 anos, e é a autora do slogan “Because I’m Worth It” (Porque eu valho a pena), feito para a marca de coloração Preference e utilizado pela L’Oréal Paris há, simplesmente, 53 anos, desde que foi criado em 1971.
O grupo conversou sobre o legado e a personalidade forte de Ilon, após a exibição do curta-metragem The Final Copy of Ilon Specht, dirigido por Ben e produzido pela Traverse32, que estreou em 10 de junho no Tribeca X, evento de dois dias que celebra a intersecção entre publicidade, storytelling e inovação e acontece paralelamente ao Festival de Tribeca, em Nova York.
O filme, que retoma a história da redatora e a mostra já com idade avançada, dificuldade de respirar, mas elegante e com a sagacidade de sempre, emocionou a plateia do auditório Debussy.
Charlotte definiu a estrela do documentário como “uma mulher que tinha uma mente brilhante e fez um dos maiores slogans da publicidade”. No filme, a própria Ilon relembra que no começo queriam que a narração fosse feita por um homem que, acompanhado de uma mulher tecia elogios e emendava o “porque ela merece”. Mas essa nunca foi a intenção da peça, mas que as mulheres falassem por si mesmas.
Além disso, tinha a intenção de ser uma espécie de protesto, num mundo em que as mulheres recebiam em média 20% menos que os homens e no qual a igualdade de gênero tinha estimativa de levar 200 anos para ser atingida. “Ela escreveu esse slogan porque, de fato, acreditava nele”, disse Alison Case, uma das filhas adotivas de Ilon e que participa do documentário – e que também esteve presente no auditório de Cannes para a homenagem, com outros membros da família.
“Não dou a mínima para publicidade”, disse uma já velhinha Ilon, explicando, com seu gênio forte, que escrevia pelas pessoas. A publicidade, no entanto, foi o veículo de suas mensagens, que até hoje precisam ser atualizadas. Delphine, da L’Oréal, disse que após tanto tempo de uso, a tagline tinha ficado um pouco mecânica e investir no documentário era uma forma de resgatar seu significado mais profundo.
“Saímos de publicidade para uma peça de arte” e brincou que queria estar em Cannes no ano seguinte para receber um prêmio, talvez até no festival de cinema. A executiva também ressaltou que a L’Oréal Paris não é uma marca indie, mas que tem uma visão de longo prazo, que busca dar à mulher a melhor qualidade e isso também merecia estar no conteúdo.
Quando a filha de Ilon foi convidada a falar rapidamente sobre a mãe, disse que desejava que ela pudesse ter tido tempo de ver o filme. E quando questionada se achava que Ilon teria gostado sua resposta foi “Quem vai saber?”, arrancando risos sobre a personalidade da redatora. Por seu turno, questionou como aquele slogan modelou a L’Oréal ao longo dos anos, ao que Delphine contou que um executivo que visitou a empresa nos EUA e tomou conhecimento da campanha e da mensagem logo falou que ela deveria ser levada a outros mercados e países. “Somos uma marca liderada por mulheres, feita de e para mulheres”, acrescentou.
Quem primeiro pronunciou numa campanha o “I’m Worth it” foi a atriz e modelo Joanne Dusseau. Mas ela foi seguida por uma série de mulheres até hoje, sendo um destaque Andie MacDowell, embaixadora da marca nos últimos… 40 anos.
Considerada ela própria representante da beleza autêntica, Andie contou como Ilon, com sua postura, foi uma fonte de inspiração: “Ela acreditava no poder de sua verdade e foi corajosa para se posicionar frente aos homens da empresa, na época. Era forte, determinada, para enfrentá-los, defendendo que as mulheres não fossem objetificadas”.
A atriz enfatizou, ainda, o papel que o slogan teve em valorizar a mulher como um ser humano, sua dignidade. “Uma nova geração de mulheres cresceu sabendo que tem tanto mais a fazer. Essa é a beleza desse slogan”, definiu Andie.
Já o diretor do filme disse que topou fazê-lo por causa da verdade inerente e porque era uma boa história, do tipo que ele contaria mesmo se não houvesse uma marca solicitando. Mas não escondeu os desafios, desde subir equipamentos de cinema para um apartamento em Nova York, até lidar com o temperamento da homenageada, que, segundo ele, “ainda tinha muito a dizer” e foi menos premiada do que deveria ter sido pela indústria da publicidade. Daí o compromisso de continuar reverberando sua mensagem.
Fonte: Meio e Mensagem
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